Pacote trabalhista fere Constituição, afirma MPT

 terça, 31 de agosto 2021

Pacote trabalhista fere Constituição, afirma MPT

O novo procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), José de Lima Ramos Pereira, disse que o pacote que permite a contratação de pessoas sem vínculo formal e a redução de horas extras é inconstitucional. Ele pede que o Senado não aprove o texto.

A uma semana do fim do prazo para a votação do pacotão trabalhista que permite a contratação de pessoas sem vínculo formal e a redução de horas extras, o novo procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), José de Lima Ramos Pereira, pede aos senadores que deixem o texto perder a validade.

Em entrevista ao Estadão/broadcast, ele diz que o texto aprovado na Câmara é inconstitucional e, caso também seja chancelado no Senado, fatalmente acabará sendo alvo de ações na Justiça. A data final para votação é 7 de setembro.

Originalmente, a Medida Provisória 1.045 foi publicada para permitir a reabertura de adesões ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), de suspensão e redução de jornada e salários durante a pandemia. Durante a tramitação no Congresso, no entanto, a medida saltou de 23 para mais de 90 artigos. O governo acabou pegando carona no programa emergencial para propor a criação de três novas modalidades de contratação que, na avaliação do MPT, precarizam as relações trabalhistas.

Uma delas, batizada de Priore, prevê a contratação de trabalhadores de 18 a 29 anos ou com mais de 55 anos mediante encargos salariais menores, incluindo pagamento de FGTS e contribuição à Previdência. Outra, nomeada de Requip, permite o pagamento de bolsas de inclusão e de qualificação para profissionais de 18 a 29 anos ou de baixa renda, mas sem vínculo ou direitos trabalhistas à exceção do vale-transporte. Uma terceira iniciativa institui o chamado “serviço social voluntário”, por meio do qual prefeituras poderiam contratar trabalhadores de 18 a 29 anos ou com mais de 50 anos. Como incentivo, a União pagaria uma espécie de bolsa, de até R$ 125 mensais.

Sem debate. “Todos os três programas têm várias inconstitucionalidades. Ao tentar criálos por meio de uma MP – com prazo limitado para discussão –, o governo encurta o processo e não deixa o debate acontecer nas duas Casas do Parlamento”, diz o procurador-geral. “O processo legislativo foi esquecido e o Priore, o Requipe e o programa voluntário estão sendo criados sem passar por audiências públicas, sem que empregadores, trabalhadores e governo sejam ouvidos, como determina a Organização Internacional do Trabalho (OIT).”

Ele lembra que o objetivo original da MP – de reabrir o BEM por quatro meses – já foi cumprido, tanto que o governo nem mesmo cogitou ampliar novamente o prazo para as adesões. Ou seja, caso o texto seja votado, os senadores estariam avaliando na prática apenas as matérias que não têm relação com o escopo original da medida – os chamados “jabutis”, no jargão do Congresso.

Lima lista ainda outros problemas do texto, como a redução do valor da hora extra para categorias com jornada inferior a 8 horas de trabalho por dia, como bancários, telefonistas, advogados, jornalistas e aeroviários. Pela proposta, o valor do adicional sobre a hora trabalhada cairia de 50% para 20%. “A proposta ainda aumenta a jornada de trabalho no subsolo, para mineiros, para até 12 horas. É uma crueldade, é desumano”, diz o chefe do MPT.

O governo tenta garantir que o texto da medida provisória com um pacotão trabalhista seja votado no Senado, mesmo que haja mudanças. Segundo apurou o Estadão/broadcast, “jabutis” (matérias estranhas ao texto) como mudanças em horas extras de categorias profissionais como professores e advogados devem ser excluídos. Aliados do governo tentam manter os programas de incentivo à geração de novas vagas, mas o relator, senador Confúcio Moura (MDB-RO), disse que vai “sentir a temperatura no plenário”.

A apresentação do parecer está programada para amanhã, mas a votação pode se estender até quinta-feira. Segundo o relator, a estratégia será buscar mudanças apenas de redação no texto, sem alterações de mérito, para evitar a necessidade de nova votação na Câmara dos Deputados – o que poderia resultar na perda de validade da MP, cujo prazo se encerra em 7 de setembro.

Aliados do governo dão como certa a remoção dos dispositivos que alteram a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como a mudança nas horas extras, mas ainda trabalham para manter de pé os três programas de incentivo ao emprego: o Priore, que prevê desonerar a contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas com mais de 55 anos; o Requip, que concede bolsas de qualificação para os profissionais mais jovens ou aqueles que estão há muito tempo fora do mercado de trabalho; e o serviço social voluntário, pelo qual prefeituras teriam flexibilidade para absorver mão de obra jovem ou com mais de 50 anos.

O senador Paulo Paim (PTRS) apresentou uma questão de ordem para tentar impugnar, ou seja, excluir sumariamente dez dispositivos do projeto que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, por não terem relação com a proposta original de reinstituir o programa de redução de jornada e salário e de suspensão de contrato de trabalho durante a pandemia de covid-19. Entre os itens questionados, estão as mudanças na CLT e os programas apresentados pelo governo.

‘Mais leve’. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve responder à questão de ordem dizendo se excluirá os dispositivos. As mudanças na CLT devem cair, segundo admitem aliados do governo, mas ainda se busca manter os programas. Em reunião com Pacheco na manhã de ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou a importância da matéria.

Confúcio Moura disse ao Estadão/broadcast que, se Pacheco aceitar a questão de ordem (mesmo que parcialmente), o texto ficará “mais leve”. Hoje, ele tem 84 páginas. Além disso, ele ressaltou que, dos três programas, o mais polêmico é o Requip, feito “por fora da CLT”. O senador afirma que há forte resistência da oposição. Na semana passada, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, estimou um potencial de até 3 milhões de contratações com os três programas, mas as centrais sindicais apelidaram o texto de “MP da escravidão”.

Fonte: O Estado de S. Paulo