Estados propõem ICMS de R$ 0,999 no diesel, com pouco efeito no preço nas bombas

 quarta, 23 de março 2022

Estados propõem ICMS de R$ 0,999 no diesel, com pouco efeito no preço nas bombas

Os estados decidiram nesta terça-feira propor uma alíquota fixa de R$ 0,999 por litro do diesel para atender a nova lei, em vigor desde 11 de março, que visava a reduzir o preço do combustível.

O valor é muito maior que o aplicado hoje, dentro da regra de um percentual sobre um valor de referência, na maior parte dos estados. Mas, segundo interlocutores envolvidos nestas negociações, os estados poderão dar "descontos" nesta alíquota.

Ou seja, na prática, tudo seguirá como é hoje, sem alterações relevantes de preços nas bombas dos postos. Segundo cálculos de técnicos do governo do Rio, por exemplo, se fosse aplicado alíquota atual de 12% de ICMS do diesel no estado, mantendo o preço vigente em novembro e que está congelado até o fim deste mês, o valor "ad rem" (alíquota em reais por litro, não um percentual do preço) pelo produto seria de R$ 0,60 por litro. O estado, então, pode dar um desconto nesta nova alíquota de R$ 0,999, caso ela seja de fato aprovada, para manter este valor, sem perdas de arrecadação, mas também sem redução dos preços nas bombas.

A fórmula encontrada pelos governadores acaba com o regime diferenciado de alíquotas de ICMS sobre o diesel por estado. Não será aplicada uma alíquota média em todo o país, conforme chegou a ser cogitado. Caso isso ocorresse, nove estados e o DF, incluindo São Paulo e Rio, teriam aumento de impostos, uma vez que hoje combram um tributo abaixo da média nacional.

Na prática, os estados tomaram uma decisão política: não perder "um centavo sequer" de arrecadação, afirmou uma pessoa que participou dos debates. Por outro lado, argumenta, esta nova alíquota significa que os estados não terão ganhos de arrecadação caso o diesel suba mais de preço nos próximos meses.

A engenharia de criar uma alíquota mais alta que a aplicada na maioria dos estados, com a possibilidade de descontos que na prática permitirá a nenhum governador sofrer qualquer alteração de arrecadação, só foi possível, também, devido ao caráter generalista da lei aprovada a toque de caixa pelo Congresso, na pior semana da cotação do petróleo desde 2008, e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em menos de 24 horas.

O texto da Lei Complementar 192 estabelece que "Os Estados e o Distrito Federal disciplinarão o disposto nesta Lei Complementar", dando liberdade para a fixação da alíquota. E o desconto na alíquota que permitirá que nada na prática mude na arrecadação, entendem os estados, atende a outro preceito da lei, o inciso 3o. do artigo 6o., que estabelece que "serão instituídos mecanismos de compensação entre os entes federados referidos no caput deste artigo, tais como câmara de compensação ou outro instrumento mais adequado".

A lei não obriga os estados a uma mudança estrutural em momento de crise. Propõe, inclusive, o congelamento do preço do diesel até 31 de dezembro de 2022 pela média dos últimos cinco anos, como alternativa. Entretanto esta alternativa causaria uma queda de 25% a 30% para a arrecadação dos estados, que em contrapartida chegaram a defender uma atualização destes valores pela inflação, para reduzir as perdas.

Segundo um técnico que participou da elaboração da proposta, as novas regras dão total liberdade ao Confaz de definir uma alíquota uniforme em todo o país e a tributação monofásica. A decisão dos governadores ao fixar o preço fixo somente evita que o ICMS alimente o aumento de preços na refinaria ou na importadora de agora em diante.

A proposta deve constar em uma nota técnica que o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) poderia ser publicada na na quarta-feira, para ser base das discussões na reunião de quinta-feira do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que determina as alíquotas que vigorarão.

Sem esta nova fórmula, o ICMS sobre o diesel teria de ser cobrado, no mês que vem, a partir de uma média do valor dos últimos cinco anos, que poderia levar estados a perder de 25% a 30% de arrecadação.

A proposta aprovada pelo Fórum de Governadores, nesta terça-feira, prevê preço fixo por litro de R$ 0,999. Cada estado será autorizado a adotar uma espécie de benefício fiscal para calibrar a alíquota de modo a não perder ou aumentar as receitas com o imposto.

Desse modo, o efeito nas bombas deve ser neutro. Contudo, ao transformar o ICMS em um valor fixo sobre o litro e não mais um percentual sobre os preços, a nova metodologia reduz efeitos de alta volatilidade da cotação internacional do petróleo para os consumidores. Ela também atende a nova lei.

A cobrança do ICMS sobre o diesel passa ser monofásica, concentrada em uma única fase da cadeia de comercialização, outra exigência da nova legislação. A medida facilita a fiscalização, mas não tem impacto no bolso do consumidor.

Caso essa proposta avance, os estados conseguiram manter o atual status, atendendo a lei. Se não deve ter impactos na arrecadação, contudo, essa solução não resolve a questão política: o governo Jair Bolsonaro tem ampliado, neste ano eleitoral, os ataques aos governadores, afirmando que os impostos estaduais são os vilões dos postos de combustíveis pelo país.

Com esta nova lei, o governo federal zerou tributos federais sobre o diesel, com a expectativa de reduzir o preço do produto em R$ 0,33 por litro nas bombas.

O tributarista Giuseppe Melloti, sócio do escritório Bichara Advogados, disse que vê problemas na fixação de uma alíquota ad rem pelo teto do ICMS cobrado atualmente. Ele cita como exemplo hipotético o preço do diesel a R$ 7,00 atualmente. Com um valor fixo de ICMS de R$ 0,999, o preço na bomba vai a R$ 8,00, sem considerar demais tributos. Esse R$ 1 corresponde a 1/7 do valor do combustível (15%). Se o preço na refinaria cair para R$ 5,00 e o valor fixo for mantido, significa que a proporção passe a ser de 1/5 (20%).

- A lei prevê, expressamente, que os estados quando forem fixar essa alíquota ad rem devem observar a estimativa de evolução do preço dos combustíveis para evitar que haja uma desproporcionalidade do valor do tributo chegando ao consumidor final – disse Melloti.

Ele destacou que há uma forte oscilação com o regime atual. Contudo, se o valor médio for equivalente a R$ 0,9994, “tudo bem”, mas não isso que parece.

Fonte: O Globo