Empresários se mobilizam contra proposta para mudar IR

 quinta, 08 de julho 2021

Empresários se mobilizam contra proposta para mudar IR

Representantes de mais de 120 associações empresariais enviaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), carta em que cobram alterações no projeto do governo que altera o Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas. A volta da taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos é a medida que gerou mais controvérsia. As entidades pedem ainda que o Congresso vote primeiro a reforma administrativa.

O setor empresarial se uniu para tentar barrar a tramitação do projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que altera o Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas. Representantes de mais de 120 entidades enviaram ontem carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alertando para possíveis impactos negativos e cobrando alterações no texto.

As associações empresariais pedem ainda que o Congresso vote primeiro a reforma administrativa (que mexe nas regras para contratar, promover e demitir os servidores públicos) antes das mudanças no IR, que incluem, entre outros pontos, a volta da taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos – até aqui, a medida que gerou mais polêmica. Ontem, Guedes voltou a defender a alteração, com o argumento de que o Brasil não segue os padrões da OCDE (leia mais nesta página).

O setor produtivo pediu a Lira mais prazo e espaço para discussão sobre as mudanças, com a criação de uma comissão especial para discutir um projeto que traga “uma solução equilibrada, com impacto neutro sobre a arrecadação e capaz de garantir crescimento com emprego”.

Entre os signatários, estão a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia); a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca); a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e inúmeras entidades do setor de serviços, incluindo a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ).

Entregue no fim do mês passado à Câmara, a proposta do governo fixa em 20% a taxação sobre lucros e dividendos e extingue o instrumento chamado Juros sobre Capital Próprio, uma outra forma usada pelas empresas para remunerar seus acionistas. O texto também prevê reduzir a alíquota do IRPJ para 12%, em 2022, e 10% em 2023. Atualmente, é de 15%, e há cobrança de 10% sobre o lucro que exceder R$ 20 mil – o que não seria alterada.

Os empresários não acreditam nos números do ministro

de que não haverá aumento da carga tributária. Na carta, eles argumentam que a alíquota total sobre as empresas, de 34% (incluindo o IRPJ mais CSLL), subiria para 43,2% com a adição da tributação sobre os dividendos. Segundo as entidades, o Brasil já figura entre “os países do mundo que mais tributam o consumo de bens e serviços, o emprego formal e o lucro dos empreendimentos”.

Na carta a Lira, afirmam também que não seria recomendável que uma proposta tão complexa tramitasse sem maior debate, sob risco de serem cometidos erros de difícil reparação futura. O presidente da Câmara já sinalizou que pretende votar o projeto rapidamente, até antes do recesso parlamentar, agora em julho. Essa posição deixou em estado de alerta os empresários, que resolveram se unir.

“O Brasil não pode ter pressa para fazer algo que pode prejudicar o seu futuro”, diz a carta das associações. Para elas, caso a reforma do IR seja aprovada, o País sofrerá com menos crescimento econômico e empregos, além do aumento de preços.

Prioridade. “As mudanças propostas aumentam a carga tributária, e isso ninguém quer. Os brasileiros já pagam impostos demais”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, anfitrião de um encontro, ontem, que reuniu associações da indústria, do comércio, do setor de serviços, da construção civil e do agronegócio. “Deveríamos discutir o corte e a redução de gastos, de desperdícios. Por isso, a prioridade deve ser a reforma administrativa.”

Um grande evento de debates está sendo organizado para o próximo dia 18, segundo o presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Gustavo Brigagão, sócio da Brigagão, Duque Estrada Advogados. Para ele, o projeto não deveria nem mesmo ser colocado em votação. Na sua avaliação, o projeto gera resultados “diametralmente opostos àqueles que se esperam de um governo que se diz liberal e avesso ao populismo”.

Um dos organizadores da mobilização empresarial, Emerson Casali, que trabalhou na elaboração da carta, ressaltou que a reforma é muito impactante e que apressa“pode custar muito caropara todos ”.

Vice-presidente da Fecomércio-sp, entidade que representa empresas do varejo e do setor de serviços em são paulo, márcio olívio disseque, embora a associação tenha sempre defendido a reforma tributária, não seria o momento adequado para se discutir mudanças no sistema. “Temos outras necessidades mais urgentes”, afirmou Olívio. A Fecomércio divulgou uma carta pública em separado, pedindo que o projeto não seja aprovado e em tom mais duro.

O documento entregue a Lira contém uma lista com 68 artigos que seriam passíveis de mudanças. As entidades apontam também para o risco de aumento da burocracia, da complexidade e da insegurança jurídica. No ofício, são feitas diversas considerações sobre problemas identificados, com o impacto direto em pequenas empresas, profissionais liberais, financiamentos setoriais e organização empresarial.

O ponto que os empresários usam para convencer os parlamentares a não votarem o projeto é o de que, se de um lado a proposta traz algum alívio para os assalariados, de outro ameaça seus empregos, a geração de novas vagas de trabalho e tende a aumentar o custo de bens e serviços que a população consome.

“Não é o momento de medidas políticas. Antes de pensarmos em eleição, necessitamos dar sustentabilidade às empresas”, diz Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), que também assina a carta.

Para o diretor executivo da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), Fernando Blower, “a reforma tem que olhar para todos os setores, ser sistêmica”. “A proposta do governo não olha para todos os setores, todos os tributos, não traz estudo de impacto setorial. Não somos contra a reforma tributária, mas não cabe uma reforma como a que foi colocada. É melhor aguardar outro momento.”

Secretário da Receita fala em ‘distorções’ do Simples e do MEI
Depois da reforma do Imposto de Renda, o secretário da Receita Federal, José Tostes, avisou que haverá a necessidade de uma revisão das regras do Simples e do Microempreendedor Individual (MEI). Segundo ele, como o projeto de reforma entregue no mês passado ao Congresso propõe reduzir significativamente o IR cobrado sobre as empresas, o passo seguinte será fazer a revisão das “distorções” do Simples e do MEI, dois regimes de tributação simplificada que existem hoje no Brasil.

Tostes revelou que foi uma opção do governo fazer o que chamou de “harmonização” dos regimes de pagamento de tributos pelas empresas somente após essa fase inicial de revisão do IR.

Segundo ele, o Simples e o MEI foram criados para dar um tratamento privilegiado às micro e pequenas empresas, mas houve uma ampliação “indevida” ao longo do tempo com o argumento de que o regime normal de pagamento das empresas era oneroso e complexo.

O MEI foi criado para incentivar a formalização de pequenos negócios e de autônomos. Para aderir ao programa, é preciso possuir um negócio que fature até R$ 81 mil por ano e que tenha um funcionário, no máximo. O Simples permite a adesão para empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões.

“Estamos de acordo com a necessidade de revisão do Simples, do MEI e do lucro presumido”, disse o secretário no webinar Caminhos da Reforma Tributária, organizado pelo portal de notícias Poder 360.

O lucro presumido, geralmente utilizado por empresas de médio porte, é uma forma de tributação simplificada para determinação da base de cálculo do IR e da CSLL das pessoas jurídicas que não estiverem obrigadas, no ano-calendário, à apuração do lucro real. Este último é apurado pelo lucro efetivo da empresa, ou seja, do resultado de receitas, ganhos e rendimentos auferidos, deduzidos dos custos.

No debate, o economista-chefe da Verde Asset Management, Daniel Leichsenring, criticou as mudanças e previu aumento de R$ 40 bilhões da carga tributária das empresas. Foi Leichsenring que provocou Tostes ao chamar a atenção para o fato de que o Brasil tem hoje vários regimes de apuração do imposto a pagar, como o Simples e o lucro presumido, que na prática representam desoneração. Para ele, essa situação faz com que empresas maiores, obrigadas a declarar pelo regime de lucro real, paguem mais imposto do que as demais.

“O regime não é neutro, deveríamos corrigir esses enormes benefícios simplesmente pelo tamanho do faturamento, que não têm nenhum motivo de existir”, disse o economista do fundo Verde ao secretário da Receita, que acabou revelando a intenção do governo de fazer a mudança no Simples num passo seguinte à reforma do IR.

O texto entregue pelo governo prevê a redução gradual da alíquota cobrada no IR das empresas, mas a equipe econômica quer ampliar o corte para até 10 pontos porcentuais e atrelar esse movimento a uma tesourada nos benefícios dados a grupos específicos, como os setores de refrigerantes e o petroquímico.

O professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo Heleno Torres foi também muito crítico ao texto do governo e alertou que a proposta chega num momento inoportuno em que as empresas tentam sair da crise provocada pela pandemia. “Houve uma mão pesada nos dividendos.”

Fonte: O Estado de S. Paulo