Alta do petróleo por crise na Ucrânia põe em xeque política de preços da Petrobras

 quarta, 23 de fevereiro 2022

Alta do petróleo por crise na Ucrânia põe em xeque política de preços da Petrobras

Analistas financeiros e economistas começam a rever suas projeções para os efeitos no Brasil e na Petrobras do aumento das tensões entre a Rússia e a Ucrânia. É consenso entre eles que o barril negociado na Europa e nos Estados Unidos vai ultrapassar a barreira dos US$ 100, o que deverá turbinar o caixa da estatal e os ganhos dos acionistas.

A dúvida paira quanto ao fôlego da empresa para manter a sua política de preços atrelada ao mercado internacional e às repercussões da valorização da commodity e, consequentemente dos combustíveis, nas eleições. Nesta terça-feira, 22, o barril do petróleo Brent, usado como referência pela Petrobras, avançou 1,52% e fechou em US$ 96,84.

O Brasil, por um lado, se beneficiaria dessa crise, por ser exportador de petróleo e passaria a vender o produto com preços mais altos. Por outro, os consumidores serão afetados por reajustes dos preços da gasolina e do óleo diesel, já que a Petrobras tende a repassar as altas da commodity para os seus clientes, nas refinarias.

O questionamento é sobre a frequência dos aumentos e como a estatal fará esse repasse em ano de eleição, considerando que a alta dos combustíveis pode prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro e favorecer a oposição. Atualmente, o relator dos dois principais projetos relativos aos combustíveis é o senador Jean Paul Prates (PT-RN).

Pressão sobre a Petrobras

A tendência é que a Petrobras sofra mais pressão do governo neste ano. O balanço financeiro de 2021, que será divulgado nesta quarta-feira, 23, será um fator importante nesse cenário. O lucro deve ser elevado, o que demonstra que a companhia tem fôlego para manter os preços inalterados por mais tempo.

Segundo a Associação Brasileiros dos Importadores de Combustíveis (Abicom), a defasagem dos valores praticados pela petrolífera, em comparação com o mercado internacional, está em 13%, no caso da gasolina, e 8% no do diesel.

“Vamos ver se o governo, de fato, não vai tentar fazer algum tipo de intervenção para tentar atenuar os aumentos que possam ocorrer”, afirma Rodrigo Leão, pesquisador do Instituto Estratégico de Petróleo e Gás Natural (Ineep) e especialista em geopolítica do petróleo.

Para o analista sênior de Petróleo e Gás do UBS BB, Luiz Carvalho, a tensão entre a Rússia e a Ucrânia é conjuntural e não será suficiente para influenciar a política de preços da Petrobras, que equipara os valores dos seus produtos aos de importação.

Em sua opinião, alterar essa política iria gerar descrença entre os investidores, o que influenciaria o câmbio, outra variável de peso no cálculo do PPI. E, ainda que os investidores, sobretudo estrangeiros, já calculem as possíveis interferências políticas na empresa de capital misto (a Petrobras é controlada pela União), a expectativa do mercado financeiro é a de que a petrolífera mantenha a estabilidade do caixa a ponto de garantir financiamentos mais baratos.

“Toda discussão em torno da Petrobras se tornou política. Ninguém está, de fato, disposto a resolver o problema do preço dos combustíveis no Brasil”, diz Carvalho.

Carvalho acrescenta ainda que o conflito entre Ucrânia e Rússia também mexe no preço dos fertilizantes, que, por sua vez, mexe no preço dos alimentos. “O petróleo subiu, a gasolina e o diesel vão subir. Acontece com todas as outras commodities: açúcar, trigo, algodão, minério, carne, frango… Em vez de pedir subsídio para combustível fóssil, que atende uma parcela da população, gostaria que alguém chamasse atenção para a cesta básica, que ficou mais cara”, afirma Carvalho.

Histórico

A trajetória da cotação do petróleo é cíclica – anos de alta sucedem anos de baixa. O recorde histórico foi alcançado em 2008, quando o barril chegou a ser negociado a US$ 143,95, no dia 3 de julho. Logo depois, com a crise imobiliária que se alastrou no mundo todo em 2009, o barril permaneceu em patamares mais baixos até 2010, voltando a crescer em 2011 e 2012.

Essas valorizações, em 2008 e 2011, foram fundamentais no incremento do caixa da Petrobras e nos investimentos robustos da empresa, principalmente em projetos relacionados ao pré-sal.

Alguns desses investimentos, no entanto, foram abandonados após denúncias de superfaturamento envolvendo esses projetos, na Operação Lava Jato. Justamente no primeiro ano da Lava Jato, a commodity despencou mais uma vez, o que também contribuiu para a crise na empresa.

Posição da Rússia está fortalecida

Em recente artigo, o professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e também pesquisador do Ineep, José Luís Fiori,  escreveu que “em plena crise energética, pandêmica e inflacionária europeia, só a Rússia tem capacidade imediata de aumentar a oferta do gás que os europeus necessitam para esquentar suas casas, baixar seus custos de produção e recuperar a competitividade de sua indústria”.

Em sua opinião, a Rússia está numa posição excepcional, o que “explica o seu empoderamento e sua decisão de avançar suas peças no tabuleiro do xadrez geopolítico da Europa”.

Para Leão, do Ineep, não é somente a invasão russa à Ucrânia que afeta o mercado internacional de petróleo. “Há mudanças importantes que pouca gente está olhando”, diz. Ele ressalta que há uma relativa convergência de interesses entre os grandes produtores mundiais de energia e que, por isso, a Rússia não está isolada na crise com a Ucrânia.

“Há sinais claros de interesses de outros países produtores e também do eixo econômico asiático que dão apoio relevante para a Rússia nesse processo. Não há movimento significativo dos países do Oriente Médio para ocupar o espaço aberto pela Rússia no mercado de gás e energia. Pelo contrário, a promessa de retomada da produção está abaixo do esperado”, diz Leão, complementando que a extração de petróleo está 1 milhão de barris abaixo do prometido.

O especialista acrescenta ainda que a China não fará esforço diplomático para se envolver na tensão entre a Rússia e a Ucrânia. De fato, o país asiático reafirmou o compromisso de não se envolver em questões de terceiros. Esse cenário está deixando os consumidores “apavorados”, segundo o pesquisador. Com isso, qualquer sanção a países produtores, como à Rússia, pode criar uma crise nas economias dos países dependentes de importação de petróleo e gás. A simples possibilidade de invasão da Ucrânia é suficiente para manter a cotação do barril elevada.

Fonte: Folha de S. Paulo 

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