Covid-19: Mercado minimiza risco de nova onda no Brasil

 sexta, 16 de outubro 2020

Covid-19: Mercado minimiza risco de nova onda no Brasil

conomistas e gestores consultados pelo Valor avaliam que a ameaça à recuperação econômica de uma segunda onda da covid-19 na Europa tem baixas chances de ser reproduzida no Brasil, um país que ainda convive com altos números de casos e tem um governo menos propenso a adotar medidas drásticas para conter o avanço da doença. Há quem alerte, no entanto, que caso a vacina não saia tão rapidamente quanto o esperado e o país volte ter um salto dos casos, o mercado local pode sofrer por estar minimizando tal cenário.

Na visão do sócio e gestor do Cardinal Partners, Marcelo Audi, é baixo o risco no Brasil porque o país experimenta uma dinâmica de platô – com estabilização em um patamar elevado do número de casos de contágio. “Mesmo que isso ocorra, a proximidade da vacina e também a mudança do protocolo de atendimento de contaminados afastam o risco de que o governo volte a restringir a circulação da população”, afirma, lembrando que a evolução do atendimento tem evitado que muitos casos de contágio se agravem e resultem na morte do paciente.

Outra pista que permite inferir que é baixo um risco de retorno da quarentena é a própria forma como o governo brasileiro lidou com a pandemia até o momento. “Não vou entrar aqui em juízo sobre o que é certo ou errado, mas o que vimos é que abandonamos a estratégia de isolamento social desde meados de junho ou julho”, diz o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima. “Na Europa, a situação é diferente, os governos lá têm maior disposição a adotar medidas de restrição, talvez por causa da situação vivida lá no início do ano.”

Para o sócio e economista da Kairós Capital, André Loes, mesmo que uma ressurgência mais intensa da doença se concretize na Europa, o efeito para o Brasil tende a ser menor desta vez. “É claro terá mais volatilidade, mas não vejo nenhuma correção de preços parecida com o que houve.” Para ele, o aprendizado sobre a doença nos últimos meses limita o potencial de estrago. O aumento de casos não veio acompanhado do crescimento de mortes e hospitalizações, o que reduz a chance de um lockdown completo e do consequente impacto econômico muito mais severo.

Loes nota ainda que, do ponto de vista da economia real, uma desaceleração da Europa também impactaria marginalmente as exportações brasileiras, em especial de commodities. “A China é muito mais importante para nós e está surpreendo para cima, nesse sentido”, ressalta. A Kairós espera que o PIB contraia 5,1% este ano para depois crescer 3,0% em 2021.

Para Audi, a principal questão é como a economia brasileira vai reagir após a suspensão do auxílio emergencial. Por outro lado, a perspectiva de uma vacina deve tirar o receio de parte da população que, em muitas regiões, ainda evita circular a despeito da abertura da economia.

“Em São Paulo, por exemplo, mesmo com a fase verde, muita gente evita frequentar shoppings ou mesmo levar seus filhos para as escolas porque sente medo”, observa. Somado à perspectiva de que a taxa de juros continuará baixa no Brasil, isso pode amenizar o efeito da retirada do auxílio. A Cardinal trabalhar com um PIB entre 3% e 3,5% em 2021, mas grande parte desse número é apenas efeito estatístico, salienta.

Para Lima, é importante que a situação fiscal seja solucionada para que os juros possam capitanear esse novo momento da recuperação da economia brasileira. “É importante que elas sejam enfrentadas, uma vez que elas tiram a efetividade da política monetária”, diz. A Western Asset prevê que uma contração de 5,0% do PIB em 2020 e uma expansão entre 3,5% e 4,0% em 2021.

No entanto, o fato de que esse cenário “otimista” está amplamente refletido nos preços atuais, aumenta o risco de que um desvio, mesmo que temporário, gere muita instabilidade, alerta o economista-chefe do Opportunity, Marcelo Fonseca. Um exemplo do que o mercado está assumindo, mas não pode ser dado como dado, diz, é a entrega da vacina até o primeiro trimestre do ano que vem. Um atraso de um ou dois trimestres nesse processo, portanto, alteraria várias das hipóteses com as quais analistas vêm trabalhando.

No caso de uma nova explosão de casos, o governo teria muita dificuldade em lidar a pressão pela extensão do auxílio, acrescenta. “O mercado tem hoje um ceticismo grande de que será possível viabilizar o financiamento do Renda Cidadã sem ferir o teto de gastos. Uma segunda onda da covid-19, portanto, agravaria ainda mais um quadro já agudo” diz o economista, que vê um PIB de 2,8% em 2021.

“Não sei se o mercado teria capacidade de absorver outro ano de dívida muito alta, muita rolagem de títulos e emissões do Tesouro ainda mais expressivas sem aumentar o prêmio de risco”, afirma o economista-chefe da Truxt, Arthur Carvalho. O profissional, que espera uma expansão do PIB de 3% que, em caso de uma expansão fiscal agressiva, o ambiente tenderia a ser inflacionário, já que as expectativas estão ancoradas ao fiscal.

Fonte: Valor Econômico