Bolsonaro volta a desafiar estados sobre ICMS

 quinta, 06 de fevereiro 2020

Bolsonaro volta a desafiar estados sobre ICMS

Em mais um capítulo da disputa aberta com os estados sobre os preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro desafiou os governadores ontem ao afirmar que reduziria azero os impostos federais, como PIS, Cofins e Cide, que incidem sobre gasolina e diesel caso os governos estaduais concordem em fazer o mesmo com o ICMS sobre esses produtos. Governadores reagiram outra vez ao que interpretaram como uma bravata para depositar neles a culpa pelo alto custo dos combustíveis nos postos e cobraram que o governo federal dê o primeiro passo.
— Está feito o desafio aqui, agora. Eu zero o federal hoje e eles zeram o ICMS. Se toparem, eu aceito —disse Bolsonaro, pela manhã.

De acordo com o presidente, a população “já começou a ver de quem é a responsabilidade” pelo preço alto nos postos de combustíveis.

— Não estou brigando com governador. O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu abaixei três vezes o combustível nos últimos dias, ena bomba não baixou nada—disse Bolsonaro sobre a diferença entre a redução dos preços pela Petrobras e pelos postos em janeiro.

Ontem, a Petrobras reduziu em 4,3% o preço da gasolina e em 4,4% o do diesel em suas refinarias. Foi a segunda redução em menos de uma semana. Neste ano, a gasolina acumula queda de 7,5% nas refinarias e o diesel, de 10,1%. No entanto, a redução nas bombas foi de menos de 1%, segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Eliminar os impostos federais sobre combustíveis custaria aos cofres públicos cerca de R$ 27,4 bilhões, o montante arrecadado em 2019, segundo a Receita Federal. No caso dos estados, o ICMS sobre combustíveis representa cerca de 20% da arrecadação do tributo estadual, segundo dados do Confaz, que reúne secretários estaduais de Fazenda.

— Os governadores não foram convidados para nenhuma conversa com o presidente neste sentido. Uma prova de que não há interesse no entendimento. Bravata me lembra populismo, e o populismo me lembra algo ruim para o Brasil. Se o presidente está tão entusiasmado, tão motivado, e leque faça o primeiro gesto. Elimine os impostos sobre os combustíveis e, aí sim, os governadores vão avaliar o tema do ICMS —reagiu o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ontem em Brasília. — Acho que ele tem, neste caso, um comportamento que não é adequado ao presidente da República.

RELAÇÃO DESGASTADA

A nova queda de braço se deu dois dias depois da divulgação de uma carta aberta assinada por 23 governadores pedindo a Bolsonaro que abra mão de receitas de impostos federais sobre os combustíveis. Foi uma reação à acusação feita por ele no fim de semana em redes sociais de que governadores represam a redução nos preços de gasolina e diesel nas refinarias por meio do ICMS.

Foi também um recado ao Planalto de que a relação entre ele e os governadores está se desgastando às vésperas do início da tramitação no Congresso de duas reformas importantes para o governo: a tributária e a administrativa, que Bolsonaro prometeu ontem enviar ao Parlamento nos próximos dias.

Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, disse ao GLOBO que apoia muitas medidas do governo Bolsonaro, mas acha inviável zerar o ICMS dos combustíveis por conta da crise fiscal dos estados. Para ele, Bolsonaro invade prerrogativa dos estados:

—Tenho certeza de que ele não falou com o (ministro da Economia) Paulo Guedes. Pode perguntar para ele o que acha dessa proposta.

Guedes teve duas reuniões com o presidente ontem, mas ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, disse estar à disposição para discutir uma política de redução do valor final do combustível “de forma equilibrada, responsável, com base técnica”. Mas ressaltou que quem define a política de preço dos combustíveis é o governo federal, controlador da Petrobras:

— Quem tem que tomar a iniciativa, quem é protagonista nisso é o governo federal, que tem todos os instrumentos para debater e tomar medidas em relação a esse assunto.

Helder Barbalho (MDB), do Pará, afirmou que aceita o desafio proposto pelo presidente se a União autorizar o estado a voltar a cobrar imposto da atividade de mineração. Desde 1996, com a Lei Kandir, o Pará está proibido de taxar o setor. O governador da Bahia, Rui

Costa, usou as redes sociais para argumentar que a União fica com 70% dos impostos arrecadados no país, deixando 30% para estados e municípios, que são os que oferecem serviços públicos diretos à população, como saúde e educação. “Nesse cenário aí, quem deve abrir mão de receita?”, perguntou.

RIO PERDERIA R$ 5 BI

São Paulo informou ontem que arrecadou no ano passado R $17,4 bilhões coma cobrança de ICMS do comércio de combustível. Isso responde por 12% de toda a arrecadação do imposto no estado. Segundo Barbalho, do Pará, abrir mão do ICMS dos combustíveis seria perder R$ 3 bilhões por ano. No Rio, o secretário estadual de Fazenda, Luiz Claudio Rodrigues, disse que a perda seria de R$ 5 bilhões por ano arrecadados com o ICMS sobre gasolina e diesel, o equivalente a 13% do arrecadado hoje com o tributo no estado:

—É fundamental para a sobrevivência dos estados e até dos municípios, já que 25% do valor do ICMS sobre os combustíveis são repassados para eles. O peso do ICMS nas contas dos estados é muito maior que o dos impostos (sobre o combustível) para a União. Se agente abre mão disso, o estado quebra.

Raul Velloso, especialista em contas públicas, avalia que a raiz da disputa é a queda na arrecadação desde acrise, que leva a tentarem “transferir o ônus ao outro”:

— De um lado, a União tem capacidade maior de financiamento e quer os estados seus limites. De outro, os estado sacham que a União deve dar uma colher de chá em um momento em que passam por uma crise fiscal. Como esse bolo tributário é pequeno para dividir, será difícil aprovar a reforma tributária.

Fonte: O Globo