BC não barrou pagamentos pelo WhatsApp para proteger Pix, diz diretor

 sexta, 18 de setembro 2020

BC não barrou pagamentos pelo WhatsApp para proteger Pix, diz diretor

O diretor de organização do sistema financeiro do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, afirmou, nesta quinta-feira (17), que a decisão do BC de suspender o serviço de pagamentos do WhatsApp, lançado em junho e barrado pelo regulador em seguida, não teve o objetivo de proteger o Pix ou os grandes bancos.

Nos bastidores, no entanto, as empresas reclamam que o regulador vem agindo em defesa de sua própria ferramenta.

Desde o bloqueio, o BC vem realizando diversas reuniões com o Facebook, dono do WhatsApp, e também com o Google, que também atua no ramo de pagamentos, exigindo comprovações “infindáveis”, nas palavras de representantes das empresas, de que são seguros e permitem conexão com qualquer tipo de aplicação, principalmente com o Pix – sistema de pagamentos instantâneos da autoridade monetária, que será lançado em 16 de novembro.

Pinho de Mello falou sobre o embargo aos pagamentos por aplicativos em evento promovido pelo BTG Pactual em parceria com a PUC-RJ. Ele afirmou que o BC se preocupa com a concorrência.

“A medida cautelar do BC à solução de pagamentos do WhatsApp não foi para proteger o Pix ou os grandes bancos, mas para proteger a competição”, declarou Pinho de Mello.

“As bigtechs [grandes empresas de tecnologia] têm que entrar, mas existem desafios regulatórios. São bem-vindas as entradas pró-competitivas, mas temos garantir que são realmente pró-competitivas, essa foi a lógica da cautelar, não é impedir ou proteger ninguém”, alegou.

O diretor declarou, em referência à chegada do Pix, que o sistema de pagamentos brasileiro é eficiente, mas pode ser mais.

“A indústria de cartões tem um papel importantíssimo, mas o que vamos fazer é dar mais uma opção. Basicamente todas as contas transacionais estão lá, está todo mundo capturado”, disse.

Segundo o diretor, apesar da concorrência com a indústria de cartões, o sistema vai permanecer em funcionamento. “Vai aumentar a eficiência, os atores atuais são competentes, vão conseguir operar. O tamanho do bolo vai aumentar e vai ser melhor pra todo mundo”, afirmou.?

Segundo pessoas que participam das discussões no BC, logo após o anúncio da parceria com o WhatsApp, o regulador decidiu que ela não poderia ser enquadrada como um novo veículo de pagamento, jargão do setor que define qualquer forma de se realizar uma operação financeira.

Cartões de débito, de crédito, boletos bancários e as maquininhas são veículos de pagamento.

No caso do WhatsApp, o BC entendeu que se trata de uma nova forma de transação financeira porque o aplicativo seria somente um gerador de operações que, na verdade, seriam realizadas pelos sistemas dos próprios parceiros.

Ou seja: o aplicativo seria uma espécie de guichê de chegada, substituindo o aplicativo dos próprios bancos, que cobram por esses serviços. Por isso, o regulador barrou a parceria, mudou as regras vigentes sobre meios de pagamento, e prepara uma nova resolução para esse novo modelo, que vem sendo chamado internamente de “arranjo de transferência”, figura na qual o serviço poderá ser enquadrado.

Tanto Visa quanto Mastercard foram avisadas pelo BC dessa mudança no ato do bloqueio da parceria. Uma semana depois, ambas enviaram toda a documentação que seria exigida para a liberação do serviço de acordo com as normas idealizadas pelo regulador. Em tempo recorde, uma consulta pública foi realizada e, desde então, nada avançou para as empresas.

Há duas semanas, reuniões foram realizadas na sede do BC, em Brasília. As exigências do BC aos aplicativos são muitas. Primeiro, a autarquia pretende vinculá-los ao negócio. Alguns exemplos: se uma transferência de valor via WhatsApp der errado, o aplicativo terá de dispor, a exemplo dos bancos, de uma estrutura de atendimento.

Também será obrigado a atestar a eficácia de seus sistemas de segurança, engajamento às políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, além de se encaixar aos padrões de controle e proteção de dados dos clientes.

Além disso, seriam obrigados a comprovar capital mínimo. O patamar, no entanto, seria bastante inferior àquele exigido das instituições financeiras. Ou seja: segundo as empresas, o BC estaria tentando enquadrar os aplicativos praticamente como entes regulados (instituições financeiras).

Na telefonia, outro serviço regulado, a inovação trazida com os aplicativos escapa completamente do controle da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). A agência não pode, por exemplo, controlar a qualidade das chamadas telefônicas feitas pelo WhastApp via rede de internet das operadoras. A ela só cabe monitorar a qualidade das conexões de internet (velocidade e capacidade de tráfego de dados) oferecida pelas teles, essas sim reguladas.

Em certa medida, esse é o dilema atual do Banco Central. A diferença é que, em vez de chamadas, agora o WhatsApp quer originar movimentações financeiras, sejam transferências ou pagamentos.

Como se trata de dinheiro e não de uma simples conexão de internet, o BC quer dar mais segurança aos usuários e ao próprio sistema financeiro sem que, dessa forma, acabe regulando um aplicativo –algo que fere os princípios do Marco Civil da Internet.

Dentro do ambiente dos bancos, o controle é muito grande. Fora dele, a preocupação é de ataques de hackers e outras formas de fraude que comprometam os meios de pagamento, especialmente das redes varejistas.

Há ainda uma irritação do BC com a postura do WhatsApp e das bandeiras. Para o regulador, o acordo deveria ter sido previamente notificado, o que não ocorreu.

O WhatsApp, no entanto, se valeu de uma brecha legal. A lei que dita as regras do mercado de pagamentos diz que startups não precisam comunicar o BC quando lançarem algum novo serviço.

À medida que o serviço for crescendo, o BC pode fazer exigências. O regulador também tem, por força da lei, o poder de barrar a iniciativa da startup, em qualquer etapa.

A lei menciona que uma startup deve faturar menos do que R$ 500 milhões por ano, por exemplo. Para o BC, o WhatsApp tem mais de 120 milhões de usuários no país e começaria com um potencial de 51 milhões de clientes. Não poderia receber esse tratamento.

Além disso, não havia garantias naquele momento de que bancos, outras bandeiras de cartões, maquininhas e até moedas virtuais pudessem “conversar” com o WhatsApp Pay.

Essa indisposição prévia também levou o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a barrar o serviço sob pena de multa diária porque, inicialmente, o órgão considerou se tratar de uma associação.

O escrutínio do BC ocorre no momento em que a autarquia se prepara para o lançamento de seu Pix. Previsto para entrar em funcionamento em meados de novembro, esse sistema permitirá transferências e pagamentos a qualquer hora, inclusive finais de semana, em menos de dez segundos e livres de qualquer encargo, ainda que envolva bancos diferentes.

Somente transações realizadas por empresas serão cobradas.

A isenção para clientes individuais se deve à redução de custos com a instalação do sistema pelo BC e instituições financeiras. Hoje, para realizar uma TED (transferência eletrônica), o banco paga ao BC cerca de R$ 0,06. Com o Pix, será cobrado R$ 0,01 a cada dez transações.

A partir de 5 de outubro, os interessados poderão fazer o cadastro para a identificação dos pagamentos junto aos bancos em que são correntistas. Algumas instituições se anteciparam e já permitem esse cadastramento.

Primeiro, bancos com mais de 500 mil clientes serão obrigados a operar com a nova tecnologia. Atualmente, 34 instituições integram este grupo. O restante terá que oferecer o serviço a partir de 1º de junho de 2021.

O consumidor poderá escanear o QR Code pela câmera do celular, integrada ao aplicativo do banco ou da fintech, e realizar o pagamento ou transferência. As transações serão feitas por meio de QR Code estático ou dinâmico.

O estático é gerado uma vez só pelo estabelecimento, para todas as operações. Nesse caso, a pessoa terá que digitar o valor. O dinâmico é um QR Code gerado a cada operação, já com o valor definido.

OUTRO LADO

A reportagem fez questionamentos ao BC sobre as exigências às bandeiras e aos aplicativos, mas não houve explicações. Por meio sua assessoria, o Banco Central disse que “a análise deste pleito [liberação do WhatsApp Pay] segue o trâmite normal” e que “não há diferenças de tratamento neste caso em relação a outros pedidos sob análise”.

A Visa informa que tem como objetivo oferecer soluções “interoperáveis”, seguras e rápidas. O Visa Direct e o Visa Cloud Token, tecnologias utilizadas pelo Facebook Pay e disponíveis para todo o ecossistema de pagamentos, são exemplos de inovação.

A empresa, por meio de sua assessoria, diz que sua expectativa é “que o regulador seja como sempre diligente no seu processo de avaliação e siga contribuindo para a livre concorrência”.

A Mastercard informa que solicitou ao Banco Central a autorização para que novos emissores interessados no WhatsApp Pay realizem testes e ainda aguarda a definição oficial da autarquia, assim como o retorno sobre modelo de arranjo de transferência.

A assessoria do WhatsApp diz que mantém conversas com o Banco Central para “restaurar o recurso de pagamentos a todos o mais rápido possível”.

Para a empresa, a pandemia e as dificuldades econômicas dela advindas fez aumentar a demanda das pessoas por transferências de valores e pagamentos.

“Por quase dois anos, trabalhamos para fornecer uma funcionalidade de pagamentos inovadora no Brasil, trabalhando com parceiros financeiros locais que demonstraram um histórico de cumprimento dos padrões estabelecidos pelo Banco Central do Brasil”.

Fonte: Folha de S. Paulo 

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